13 de set. de 2009

Uma oficina demonstrativa com Jovens Pomeranos e Negros do Espírito Santo

 
Por: William Berger
Num colégio interno Luterano
No interior do interior do Espírito Santo, do Brasil,
Há uma jovem loura pomerana
Que escreveu sua dor com o Teatro do Oprimido.
Encenou o estupro que sofreu
Pelo próprio pai em 1997.
Todas as noites um monstro a visitava
Em pesadelos terríveis.
Acordava em prantos e gritos, dez anos depois!
E via nesses pesadelos crianças com aspectos fantasmagóricos
[Brincando com bonecas mutiladas: sem olhos, sem boca e sem braços, o rosto sujo pela dor] Que sempre a assustavam quando se aproximava.
No dia em que cheguei
Percebi olhares
 F   u   g   i    t    i     v    o sssssssssssssssssssssssssssss
Ressabiados.
Desconfiados . . .
Iniciei a oficina com “Batizado Mineiro” ¹ e uma pergunta:
O que é Teatro para você? Pra que serve o Teatro?
As respostas, as mais variadas: “expressar o que penso”, “dizer algo para alguém”, “espalhar o evangelho”, “não sei muito bem”.
Quase todos ali já tinham feito teatro em suas comunidades luteranas pelo interior do Espírito Santo e outros estados do Brasil: no Natal, na Paixão de Cristo; e mesmo com temas sociais: miséria, solidariedade, compaixão ao próximo!
Senti que a terra era fértil e poderia lançar ali as sementes do Teatro do Oprimido:
Sem dúvida iria frutificar!!!
Não deu em outra, depois de ouvi-los falei qual Teatro propúnhamos:
Da Libertação do ser humano, da expansão de nossas capacidades,
Da ampliação de nossos sentidos, de ser mais, dos oprimidos!
E a clássica pergunta: vocês querem fazer Teatro do Oprimido?
Advinhem a resposta . . .
Um discreto sim!
No 1º dia fizemos joguexercícios
E muitas reflexões sobre o sistema opressor que a todo momento quer
Alienar nossos corpos, mentes e corações!
E como sempre falei muito de Boal!
[ há uma semana, o mestre havia subido nas asas de um beija-flor
Rumo ao paraíso da imaginação onde habitam todos os personagens
E a paisagem são todos os cenários e de lá há assentos e uma platéia
Onde Paulo Freire, Mahatma Gandji, Martin Luther King e muitas vozes enviam  intervenções em pensamentos que fortificam nossa intuição!]
  
À medida que prosseguia percebi nesses jovens a necessidade de algo a mais
Olhares ansiosos, grávidos, ávidos por derramar . . .
Bocas prontas a dizer, corpos repletos de hormônios e dúvidas: perguntas!
Em minha mala de livros, levei uma revista com imagens surrealistas
Uma delas mexeu muito com o grupo: uma mulher algo fantasmagórica na cruz com outros corpos  cobertos de barro ao redor.
Depois de expressões de espanto
E um lonnnnnggggggggggggoo silêncio
 . . .
 . . .
 . . .
Um rapaz pomerano de 15 anos
Falou: “Todas as noites vejo imagens como essa
Em meus pesadelos, um monstro entra em meu quarto
E quebra todos os móveis! Não sei como me livrar dele”.
Nesse momento disse para mim mesmo:
STOP: C’EST MAGIQUE!!!!!!
E propus: “Vocês, sei que é delicado mexer nessa caixinha,
Vocês gostariam de encenar seus pesadelos?”
Ao que desconfiados aceitaram o desafio.
Para começar uma reflexão distribuí poemas oníricos
De Jorge Luis Borges, Fernando Pessoa e William Blake
E pedi que reescrevessem, desenhassem, escrevessem novos poemas,
Cartas sobre suas opressões, pesadelos, traumas e que trouxessem no dia seguinte!
Quatro grupos com jovens pomeranos e negros de 12 a 19 anos
Dois educadores e muito, muito desafio nos próximos dias!
À noite no quarto em que fiquei hospedado quase podia ouvir vozes
De fantasmas, de meio século de juventudes oprimidas, de sexualidades
Recolhidas que impregnavam as paredes, ecos de tempos distantes e dos corpos presentes! Fiquei sabendo que naquela mesma noite um dos rapazes mais problemáticos, que não estava na oficina, quebrara violentamente o espelho do internato masculino!
Reestruturei toda a oficina. Pretendia que fosse uma de Teatro Fórum
Como outras que já havia feito!
Surpresa e espanto, eu estava mergulhado no desconhecido
E não sabia ainda onde podia chegar
O caminho não existia, só o caminhar!
Amanheceu, e após as orações e refeição matinal senti que o ritmo da casa havia sido alterado,
Minha presença com o Teatro do Oprimido já tinha repercussões.
Fomos para a sala de trabalho:
Aquecimentos, exercícios, ensaios das cenas.
Acompanhei cada grupo de perto.
O resultado já estava se concretizando
Mais exercícios de imagem, caminhadas e das 4 categorias:
1. Sentir o que se toca
2. Escutar o que se ouve
3. Ativando os vários sentidos
4. Ver o que se olha
Os embriões cresciam e tomavam forma
O grupo já estava à vontade e revelava coisas
Antes escondidas, camufladas, reprimidas!
Falei quão simbólicos são nossos sonhos
E quanto falam de nós
E como podemos transformar.
A hora do resultado, as apresentações:
Quatro cenas:
  a de um jovem pomerano
Que perdera seu tio, melhor amigo,
Por negligência de um médico
E só soubera da morte após o enterro:
A família lhe negou o direito de se despedir!
Fizemos um fórum!
“O poeta é um fingidor, finge tão completamente a sua dor,
Que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente” ( Fernando Pessoa)
2ª uma mística com flautas, canções e flores!
“Canções da Inocência” (de William Blake)
3ª um jovem que deixava tudo para amanhã:
O telefonema da família
A busca da mãe
Que falecera
Sem lhe falar.
4ª a jovem loura pomerana
A cena começa com três pancadas violetas numa caixa
Música evanescente e melancólica
1997: ano em que a oprimida havia sido abusada
sexualmente pelo próprio pai.
Poema de Borges "A Um Velho Poeta"
Em cena fugia de seus fantasmas e o jovem que todas as noites
Era invadido e destruído por dentro por seus monstros
Deixou ali no espaço, na palavra recriada, poetizada, no som organizado
e na imagem reconstruída a expressão de sua dor.
Dores psíquicas coletivizadas, encenadas.
Silêncios rompidos, espelhos despedaçados!
O pastor, diretor do colégio, assistia na platéia,
Louco para entrar em cena e ajudar aquela menina,
Dizer que ela é importante e que merece ser feliz
Ajudá-la a enfrentar seus fantasmas, ser seu aliado!
“Estamos perdendo tempo
para as igrejas oportunistas.
Podemos expulsar nossos demônios
Com esse teatro”
Essa palavra do pastor
Tocou fundo em minha alma
E senti que o resultado,
Mesmo sem o fórum,
Já estava concreto:
Havia o desejo de transformar!
Parei por ali a oficina, pois o tempo era limitado
E poderia entrar em labirintos difíceis de retornar.
Ficamos com o desejo, sim um forte desejo de continuar,
De ir além . . .
O NUPRATO (Núcleo de Praticantes de Teatro do Oprimido do ES)
Recebeu um convite para uma oficina de 3 dias
No Fórum Social da Juventude Luterana, em Setembro de 2009.
Foi uma realização, um desejo antigo,
Pois eu mesmo havia sido aluno desse colégio.
E em um sonho meu [analizo meus próprios sonhos]
Uma voz dizia que eu deveria ir até lá
E eu fui . . . encontrar a pedra perdida:
O desejo de transformar!
William Berger
Assistente Social, ator, multiplicador de Teatro do Oprimido - ES  e RJ
28 de julho de 2009
Essa Oficina Demonstrativa aconteceu nos dias 24 e 25 de maio de 2009 no município de Afonso Cláudio - ES
¹ - um dos exercícios do livro "Jogos para Atores e Não - Atores" de Augusto Boal
 

 
 

Um comentário:

  1. Como sempre vocês me surpreendendo com coisas ótimas! Lindo blog, lindos trabalhos, linda atitude! Como lindos são vocês!

    Um abração,

    William Berger

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